Você é livre ou determinado?

Somos livres ou determinados?




Este questionamento movimentou durante muito tempo os filósofos de diversas épocas, afinal de contas, somos livres ou somos condicionados pelo sistema, cultura e outros detalhes da vida que nos obrigam a seguirmos uma linha?

A liberdade incondicional, o livre – arbítrio e a opressão:

Diversas visões filosóficas:

A tradição filosófica sempre trouxe a afirmativa que somos livres, independentes das forças externas que nos inclinam, pois nossas atitudes passam pelo nosso crivo de decisão; de acordo com esta visão, ser livre é decidir, agir como se quer, sem determinação causal externa ou interna, ser livre neste caso é ser incausado.

Para Sócrates as virtudes dependiam do conhecimento que se tinha delas, ou seja, agimos bem se conhecemos a virtude e o mal que é ignorá-la. Portanto, alguém se torna corajoso quando sua razão o orienta a encarar os desafios sem se acovardar. 

Aristóteles, afirma que tanto a virtude e o vicio depende do individuo, ou seja, não necessariamente temos tal virtude apenas se a conhecermos, mas antes elas estão ligadas ao coração do homem e portanto, ninguém pode dizer se é bom ou mau, pois as virtudes  são apetites que não dependem de nossa escolha; já os vícios e as más atitudes envolvem a escolha.

Para Santo Agostinho, o homem é dotado de livre arbítrio (ele foi o primeiro a usar este termo), este tal livre arbítrio na verdade é o meio do qual o sujeito age pela força de sua vontade, independente do que irá sofrer, e por vezes esta força entrará em conflito interno com suas próprias convicções. Desta forma se a razão conhece, então a vontade decide.

Descartes, também expressa a respeito do livre arbítrio, afirma que o homem deve sempre tentar dominar a si mesmo, desejando apenas o que é para fazer, o que é correto, depende dele esta escolha, mesmo que a
paixão seja boa, cabe a nós saber como lidar com ela e de como devemos agir, desta forma é o intelecto que tem poder de decidir, sendo assim o que mais conhecemos, mais facilmente dominamos.

Comte desenvolveu a “lei dos três estados”, para ele o homem passa pelos três estados: 


·         Teológico: é o estado em que os homens justificavam tudo pelo divino, ou seja, que a causa das mais variadas situações, inclusive coisas do cotidiano era atribuída ao ato e vontade de Deus.
·         Metafísico: foi o período histórico, compreendido entre os séculos XVIII e XIX, nesta época os teóricos inventavam teorias que não passavam de ficções na opinião de Comte, para ele eram palavras que nada explicam e ainda fomentam revoluções;
·         Positivo: É o período das ciências modernas, aonde a base é o conhecimento, a observação, do raciocínio e da experiência.

Espinosa, filosofo holandês dizia que Deus não é um ser, mas uma substância que constitui todo o universo e não se separa do que produziu e portanto habita na natureza, nas coisas criadas. Todos os seres, portanto, por conta desta ligação com o divino, tem uma potência natural da auto conservação, ele chama esta potência de conatus; isto, nada mais é do que a força que toda coisa exerce para perseverar no seu ser, a intensidade do conatus depende muito da qualidade do que queremos o que aumenta a capacidade de existir e pensar, e a depender da intensidade desta força, podemos diminuir nossa força interna e nos tornar passivos. Ele argumenta que as forças das virtudes são mais fortes que as não virtuosas, por exemplo, a força da alegria é maior que a da tristeza, pois os desejos e sentimentos que decorrem da alegria nos movem para coisas maiores e mais virtuosas e enquanto a triste pode ser superada por uma força alegre maior. Para Espinosa o homem é livre quando age de acordo com sua “voz ou vontade interna” e quando aceita a influência externa ele pode ser coagido. Ele ainda argumenta que os sentimentos tristes nos aprisionam e nos impedem de ser felizes e livres, enquanto os sentimentos alegres nos impulsionam.

Nos argumentos de Espinosa, encontramos dois polos: A Facticidade e a Transcendência.
·   A Facticidade é o conjunto das suas determinações, ou seja, tudo aquilo que não escolhemos no mundo, como onde nascer, que família fazer parte, dentre outros fatores.
·       A Transcendência é o estágio da liberdade, pois é nela que o homem vai além daquilo que lhe foi determinado, para lhes dar um sentido ou para evoluir.

 Merleau – Ponty discorda da ideia tradicional de que em um lado temos o mundo físico e da pura felicidade e do outro da consciência e do interior, ele pretendeu compreender melhor a relação as coisas internas e externas do ser humano e chegou a teorizar que essa relação é contraditória e oposta e que quando o homem encontra o equilíbrio entre elas, alcança a liberdade. Ele dá o exemplo de um operário que toma consciência da exploração que sofria e se engaja em uma revolução. Para ele esta atitude não parte do conhecimento, esforço intelectual ou escolha, mas antes da vivência.

Jean – Paul Sartre afirmou “a existência precede a essência”. De acordo com a visão tradicional de mundo, a essência vem antes do existir, ou seja, o homem possui a essência humana e isso o faz como ser existente, a essência da mesa é o material do qual ela foi feita e a forma que ela foi feita a diferencia de uma cadeira por exemplo. Mas, não é esta a posição de Sartre, veja um trecho de um de seus livros:

“.....O homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal  é o primeiro principio do existencialismo”.

Então, neste caso qual seria a diferença do homem para as coisas? A liberdade humana, isto por que todos os objetos por ele foram criadas e ele determina qual sua utilidade, o ser humano existe, é um ser consciente, portanto é a consciência que diferencia o homem dos objetos e o faz livre.
Para Sartre, o homem pode cair na angustia, pois ao escolher a liberdade, a tendência é sentir um vazio, que o homem passa a negar, fingir, enganando a si mesmo, imagina que seu destino já está traçado, aceita as verdades exteriores, para não realizar uma escolha em que ele terá que assumir as consequências, ele aceita os argumentos exteriores, inventa, mente para si, simula que é senhor de seus atos, mas foge da responsabilidade das consequências.  Aquele que recusa a liberdade, torna- se desonesto, desprezível, pois se assemelha as coisas, se reduz, se torna a obra do factual, o famoso: “deixa a vida me levar.”
Ele ainda assim afirmou: “Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é  responsável por aquilo que é.” Sendo assim, todo homem é responsável por sua existência e do estado em que se encontra, pois este é o “senhor” de suas ações.
A partir do momento que criamos a imagem de como queremos ser, formatamos também a imagem de como o homem deve ser, portanto, se queremos existir, construímos nossa imagem, ela é válida para todas as épocas e validas para todos, portanto nossa responsabilidade é muito maior do que podemos imaginar. 

Marx introduziu o termo ideologia pela primeira vez em seu livro “A ideologia alemã” ,nesta ele critica alguns filósofos, cujas reflexões partiam ideias.  Para Marx então a concepção materialista da história, inicia suas ideias a partir da produção capitalista e seus interesses, para assim partir para o campo das ideias. Portanto, para ele a ideologia faz parte de um campo sistemático que nos ensinam como e o que pensar e assim determinam como devemos agir; essas ideias determinam a relação entre os indivíduos preparando-os para as tarefas já fixadas pela sociedade. As ideologias portanto, camuflavam as diferenças entre as classes e mantiam os dominados sempre subjugados, sem criticar as tarefas mais penosas e pouco recompensadoras em nome da vontade de Deus, do dever moral ou como simplesmente estar seguindo a ordem natural das coisas.


Para Marx, estamos em um sistematização ideológica e elas são divididas em:

  • Naturalização: Esta ideia consiste em aceitar como naturais situações que na verdade resultam da ação humana, como por exemplo, a ideia de nunca puder mudar a ordem das coisas como a diferença entre ricos e pobres.
  •  Universalização: Os valores da classe dominante são estendidos aos dominados, portanto, a ideia da classe dominada de superioridade é transmitida ao dominado o mantendo neste ponto, sem questionar absolutamente nada.
  •  Abstração e aparecer social: Essa tal universalidade das ideias e dos valores é resultado de uma abstração, ou seja, as representações ideológicas não se referem ao concreto, mas ao aparecer social. Ou seja, a ideia da classe dominante é abstrata, não existe, mas é a forma de manter o domínio. Por exemplo, a ideia de que não é possível o pobre desenvolver-se e melhorar de vida por conta das dificuldades e desafios sociais, é uma forma de manter a dominação.
  • Lacuna: A naturalização, a universalização e a abstração põe uma lacuna e esconde algo que não pode ser demonstrado, pois assim desmascararia toda a ideologia Portanto, a ideologia não é falsa ou errada, mas ilusória, é a ocultação da verdade e do processo que promoveu a realidade social.. Portanto, existe uma realidade concreta que precisa ser desvendada e vencida.
  • Inversão: Para Karl Marx A ideologia representa a realidade invertida, ou seja, o que seria a origem da realidade é posto como produto, neste caso a ideologia burguesa, de desigualdade social resulta de diferenças individuais. Para Marx, a divisão social do trabalho e das relações de produção é, de fato, a causa da desigualdade social.

A hierarquia entre o pensar e o agir, mantem este “esquema” ideológico. Neste caso esta ideologia instaura a seguinte ordem, uma classe “sabe pensar”, enquanto a outra “não sabe pensar” e, portanto, só faz o que lhe mandam fazer. A publicidade influencia a vida no trabalho e nas relações afetivas, ”compramos” o desejo de “subir na vida”, estilos de vida, a forma de se vestir, de se comportar, as convicções políticas e éticas, mantendo o “esquema” do jeito que está. Para Marx, este é o sistema geral, mas ele também cita que nem toda distorção é por má-fé e que alguns eventos publicitários ou sociais é interpretação inevitável, pois toda a estrutura já estaria “infectada” pela ideologia.


PARA PENSARMOS:

Observe as duas imagens a seguir; a primeira delas apresenta uma escola modelo em Caetano Campos, São Paulo em 1895, apenas a alta classe tinha acesso a uma educação de qualidade; na segunda, temos a escola de ofícios da Rússia em 1888 que “preparava” as crianças pobres para o futuro.

Qual a principal diferença que você nota entre as fotos?

Existe algum tipo de ideologia que era transmitida através do que se ensinava, nas duas situações apresentadas?

Qual a relação das imagens com a forma de pensar a sociedade, a liberdade e o arbítrio conforme os filósofos apresentados?

Atualmente, ocorre algo semelhante ao que notamos nas imagens? Como e onde?




Profº Dielson Costa.



Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 

CORTELLA, Mário Sérgio; RIBEIRO, Renato Janine. Política: para não ser idiota. 9ª ed. Campinas: Papirus 7 Mares. 2011.

 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005 

PLATÃO. Diálogos: O Banquete – Fédon – Sofista – Político (Coleção os Pensadores). 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural. 1991. 

TORO, José Bernardo; WERNECK, Nísia Maria Duarte. Mobilização social: um modelo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica,2004. 

VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2002. 











Comentários

  1. Muito massa a discussão!

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  2. Cara, assunto complexo pra caralho. Mas, gostei do embasamento. Legal velho!

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    1. Obrigado! Concordo que é complexo. Mas, acho uma discussão válida.

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  3. somos livremente determinados!!!

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    1. Como assim? Livres ou determinados? O que viria a ser livremente determinados?

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    2. pensa bem:
      vamos chegar a um lugar de qualquer jeito, mas podemos fazer supostas escolhas o que nos faz sentir livres. alem de que decidimos ser escravos de algo.
      estamos livres pra escolher, mas determinados a assumir consequências.
      o que podemos fazer é aprender a se questionar , autocriticar para escolher o pra que seremos determinados.

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    3. Tinha entendido de que somos livres dentro de limites, dentro do seu comentário, somos moldados ao longo do tempo, dentro do que já somos, e alem de tudo o nosso meio nos acrescenta muito. mas precisamos quebrar as barreiras e lutarmos por aquilo que é o bem comum.
      agradeço por compartilhar seus pensamentos, ouvir o outro sempre nos traz ideias magnificas

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    4. Bom. Será que até essas escolhas que iremos realizar, não são presas a critérios sócio-históricos? O que você-eu temos como "bom", como algo a se escolher não é algo construído pela sociedade em que vivemos? Deste modo, esta escolha não seria tão livre. As consequência serão nossas, mas até estas foram determinadas pelo modelo de sociedade em que vivemos, isto não é uma outra prisão que estabelece as consequências para determinadas ações que ela considera incorretas?

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  4. Uauuuuu!!! Que texto, que panorama dos filósofos! Acho que ninguém é livre, ninguém...de uma forma ou outra somos prisioneiros a algo.
    Dielson, você precisa escrever mais e mais...devia ser mais conhecido! A Cleidiane tá de parabéns em ter colaboradores tão competentes!

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  5. Que nada! Ninguém é livre nessa carroça cultural! BOm texto!

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  6. Vei, texto muito bom! Todos somos determinados, é uma bolha...tipo Matrix, ninguém sai dessa parada!

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  7. Muito bom texto ! Parabéns para os dois !

    Também estou lendo o livro do Cortella e achei interessante quando Janine disse "A política seria uma maneira de lançarmos luz
    sobre essas teias invisíveis que nos dominam e tentarmos controlá-las". E neste mesmo livro ele fala sobre viver em sociedade e que viver em sociedade é condomínio, e que você tem que participar das reuniões chatas que servem para tomada de decisões. E ele ainda fala " os ausentes não tem razão ". Fazendo uma reflexão básica somente destas frases, eu entendo como liberdade o poder/direito/dever de participar,opinar, descordar... (tentar controlar essas teias invisíveis ou ser controlado), lembrando que os ausentes não tem razão, se eu não participo das decisões do domus sou dominado por elas.
    É minha humilde opinião, abraço!

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    1. Opinião mais do que válida! Valeu pelo comentário Maurício. Seguindo seu ponto de vista, somos livres se participamos das decisões, correto? Mas, suas decisões são livres ou estão presas a valores que você aprendeu alguma vez e portanto não são livres/isentas de uma ideologia? Só para continuarmos o nosso filosofar!

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    2. Com certeza presa a valores anteriores! É impossível não ser influenciado por outras ideologia ao meu ver. Não vou conseguir chegar onde você quer, então, é possível não ser determinado? É possível ser livre de influências ? Esse debate foi ideia sua ou foi influenciado ?

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    3. Perfeito seu comentário! Todo e qualquer individuo foi influenciado por algo/alguém ao longo de sua vida. Embora, o assunto tenha sido desenvolvido por mim, ele é fruto de uma série de influências filosóficas que construíram esta rede de ideias que postei e que está presente também nos comentários. Todos nós somos teias de ideias de outros que formam nossa própria teia! Massa suas perguntas!

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  8. Blogueiro Dielson. Valeu pelo seu comentário lá no meu blog, continue visitando o Oficina da Educação. Espero continuar colaborando para seu conhecimento, assim como acabou de participar no meu com este post! Abraços!

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    1. Grato! Muito grato! Espero lhe ver sempre por aqui, estarei sempre visitando o Oficina da Educação! Abraços!

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  9. Aprendi mais lendo os comentários do que o texto .

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    1. Isso é perfeitamente normal, se aprende lendo e discutindo o que se leu. A consolidação do conhecimento se dá depois de repensar e analisar o assunto, aceitando opiniões e experiências diversas.
      O que te faz quem é são suas experiencias e seu pensamento sobre elas.

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